terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Depoimento:"As linhas tortas de Jó"
As linhas tortas do livro de Jó
20 de julho de 1989: Edeny está sentada na sala de casa, em São Mateus (Espírito Santo). Vê televisão como quem não vê, distraída, quando a notícia de última hora interrompe a programação: Lauro Corona acaba de falecer, vítima da aids. Mas, no lugar do ator, Edeny vê o rosto do irmão Edson, a quem carregou no colo como se fosse filho. Mas Edinho não tem aids. Ou tem? Será essa a explicação para as repetidas crises de pneumonia? Evangélica, Edeny interpreta a visão como um sinal do céu. E levaria os dois anos seguintes preparando-se para a notícia que afinal chegou com o telefonema de uma médica, amiga da família: Edinho tem aids. O céu estava certo.
Edinho tinha tudo para ser a quarta tragédia de uma família que nunca perdeu a fé, apesar de tantas vezes testada – como Jó, o paciente e fiel patriarca bíblico. Manoel e Dorvalita botaram nove filhos no mundo. José morreu com sete dias de vida, vítima justamente do mal de sete dias. Eulina, com pouco mais de um ano, por causa do sarampo. Erni teve, aos 3 anos de idade, a morte mais trágica. O pai guardava em casa gasolina, para o motor, e querosene, para a lamparina. Uma noite, cansado, trocou os combustíveis. A lamparina explodiu e Erni morreu queimada. Manoel arrastou a culpa até o leito de morte, mas nunca esmoreceu, como bom patriarca. E quando decidiu fazer da casa um hotelzinho simples, mandou pintar na fachada: Pensão Alegria.
Com a morte de Erni, o casal resolveu dar um tempo na procriação. Foram nove anos, até que se iniciasse a segunda leva de filhos. Edeny foi a caçula, até que chegou Edinho, o único a precisar de auxílio médico para nascer. A parteira não dava conta, e coube a Edeny, então com 6 anos, a tarefa de convocar o Dr. Péricles. Depois, montou plantão na porta fechada do quarto, ouvido colado à porta, olhos grudados no buraco da fechadura, até que os adultos descobrissem o logro e lhe impedissem a visão.
Edson era lindo, o bebê mais bonito que Edeny jamais vira em seis anos de vida. Nasceu com o cabelo tão grande que a mãe foi obrigada a cortar, para descobrir-lhe os olhos. Virou o bonequinho de Edeny, a quem cabia cuidar das roupinhas do caçula. E foi justamente a roupinha, enrolada em várias camadas, que amorteceu a queda e evitou o pior quando Edeny rolou escada abaixo com o recém-nascido no colo.
Os dois cresceram mais que irmãos: amigos. E foi por isso que Edeny chorou tanto ao receber o sinal do céu, em forma de notícia urgente na tevê. E foi por isso que dois anos depois, até o diagnóstico, e pelas duas décadas seguintes, passaria a viver como se tivesse uma espada sobre a cabeça.
Os médicos foram implacáveis: Edson tinha poucos meses de vida. Edeny e os familiares renovaram a fé, nas orações e nos medicamentos. Estavam mais uma vez sendo testados. Duplamente testados: além de tudo, o filho-irmão revelara-se homossexual; era portanto, à luz da doutrina, um pecador. Mas a religião que aponta o dedo para o pecador é a mesma que ensina a amar o pecador. Edinho decidiu deixar a igreja, mas foi amado como nunca. Contrariou os vereditos dos médicos e viveu meses, anos, duas décadas. Está vivo e bem. Sofreu com os efeitos colaterais dos medicamentos que lhe adoeceram o baço e o fígado e lhe roubaram o sono. Negou o tratamento por três vezes, mas voltou, graças sobretudo à persistência de Edeny. Quase morreu muitas vezes, a última quando surgiram os sarcomas. A salvação estava nos medicamentos importados dos Estados Unidos e Europa: US$ 2.500 por mês. A família recorreu à Justiça, mas a doença caminhava mais rápido que o processo. Edeny propôs venderem a casa, para custear o tratamento. Edinho não aceitou: “Se fizermos isso, deixaremos de ajudar aqueles que não podem pagar, e que dependem da minha vitória para abrir caminho”.
Os medicamentos chegaram a tempo, e Edinho abriu o caminho para os que não podiam pagar. Tornou-se voluntário: visita soropositivos de casa em casa. Conversa, transmite confiança, faz orações, ajuda a aplicar medicamentos injetáveis. Edeny muitas vezes o acompanha nessa jornada.
Edinho vive hoje com o companheiro. A igreja o recebeu de volta; em troca, ele e o homem que ama vivem em celibato. Por outro lado, o pastor que antes se referia à aids como “castigo” para os pecadores, hoje prefere termo mais brando: “consequência”.
Mas se a vida e o sofrimento ensinam, o que Edeny aprendeu nestas duas décadas sob o fio da espada? Sobretudo a aceitar diferenças e amar os diferentes. Hoje, quase não julga – e quando o faz é para refletir, entender, absolver. Ela sabe que o preço foi muito alto, e a pior parcela paga pelo irmão querido, mas afirma que todos cresceram na adversidade. Tornaram-se pessoas melhores.
Moral da história: depois de anos e anos frequentando a igreja e lendo a Bíblia, Edeny finalmente aprendeu a amar o próximo. E quem ensinou o verdadeiro sentido das palavras de Cristo foi um homem que amava outros homens, e que por isso foi chamado de pecador.                                  Muitas pessoas tem serios problemas com aids hoje, mas não sabe o que muitos passaram antes pra que se chegasse a essa ''confortável '' experiência dos dias atuais,por isso repeti esse relato que além de interessante é uma lição de vida e amor  ao proximo!

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